Em evento no último dia 4 deste mês e dentro das atividades programadas no âmbito da Ocupação Estudantil do Instituto Multidisciplinar da Universidade Rural, foi lançada – pela direção do IM – o RIMA. Trata-se de uma plataforma digital de difusão da produção acadêmica e dos acervos históricos sistematizados e digitalizados pelo Centro de Documentação e Imagem do instituto (CEDIM).
O RIMA – que poderá ser acessado pelo endereço eletrônico: rima.im.ufrrj.br – foi lançado durante o Seminário “História, Memória e Direitos Humanos”, no auditório do Instituto Multidisciplinar. O tema do encontro foi uma homenagem à memória de Dom Adriano Hipólito, neste ano marcado pela passagem dos 50 anos de sua nomeação como Bispo de Nova Iguaçu, dos 40 anos de seu sequestro pelas forças da repressão política da ditadura militar e dos 20 anos de seu falecimento.
A mesa de abertura do seminário contou com as presenças do diretor do Instituto Multidisciplinar, professor Alexandre Fortes, do coordenador do CEDIM, professor Álvaro Pereira do Nascimento e do bispo de Nova Iguaçu, Dom Luciano Bergamin.
O diretor do IM/UFRRJ explicou que o RIMA é uma plataforma digital denominada Repositório Institucional, usada por milhares de instituições acadêmicas no Brasil e no mundo inteiro. Seu uso destina-se a tornar acessível a produção acadêmica, científica e intelectual de universidades e centros de pesquisa, como monografias, dissertações e teses dos alunos do IM, a produção de artigos, palestras, ensaios científicos, teses e entrevistas dos professores do instituto, além de todo o acervo que está sendo organizado e digitalizado pelo CEDIM, o Centro de Documentação e Imagem do IM, como os documentos relativos à história da Baixada Fluminense, dentre eles a coleção do jornal “Correio da Lavoura”, o acervo da Cúria Diocesana de Nova Iguaçu, além de temas ligados à pesquisa na área de História do Trabalho de um modo geral.
O professor Alexandre Fortes enalteceu o empreendimento como fruto de uma parceria bem-sucedida a nível interno entre o CEDIM do Instituto Multidisciplinar com os departamentos de História, Ciência da Computação, a Biblioteca, a COTIC (Coordenadoria de Tecnologia da Informação e Comunicação), e externamente, com o Correio da Lavoura e a Cúria Diocesana iguaçuana. O professor Fortes destacou também a Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do RJ), cujo apoio financeiro foi fundamental para a viabilização do RIMA. Ele informou que o Conselho Universitário do IM aprovou a criação de um comitê gestor para o repositório, integrado por um representante do CEDIM, dois da Biblioteca, um do departamento de Ciências da Computação e um da COTIC.
O bispo de Nova Iguaçu, Dom Luciano Bergamin, elogiou e agradeceu a parceria com a UFRRJ nesse projeto do RIMA, que vai garantir o acesso e a preservação definitiva de muitos documentos históricos importantes arquivados na Cúria Diocesana do município, não somente para a Igreja, mas para a sociedade em geral. Ele deu como exemplo os registros civis de nascimento e batismo das crianças, que em épocas passadas eram feitos nas igrejas locais, pois não existiam os cartórios da atualidade. De acordo com Dom Luciano, outro resgate importante que o RIMA vai fazer é relativo à história de um grande personagem ligado à Igreja Católica que marcou época em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense e em todo o país: Dom Adriano Hipólito, ex-bispo da cidade, que enfrentou corajosamente a ditadura militar que governava o país, tendo sido vítima de um sequestro por agentes da repressão política daquele regime.
O atentado ocorreu em represália à atuação progressista de Dom Adriano à frente da Diocese de Nova Iguaçu, que sofreu também um atentado a bomba contra o sacrário da Catedral local, ocorrido em 1979. Dom Luciano destacou a firme atuação de Dom Adriano na defesa dos Direitos Humanos, principalmente em favor dos mais pobres, mais humildes e das pessoas perseguidas por motivação política. Por sua missão à frente da Diocese de Nova Iguaçu naquele período tão conturbado da vida brasileira, Dom Luciano qualificou Dom Adriano Hipólito como mártir da Baixada Fluminense, acrescentando que seu legado estará protegido pelo RIMA do IM/UFRRJ, pois representa um registro fundamental da memória política e social dessa região para o conhecimento das futuras gerações.
O bispo de Nova Iguaçu aproveitou para discordar e reprovar a lei de reforma do Ensino Médio, proposta pelo governo de Michel Temer. Segundo ele, o ensino apenas profissional e técnico em nada ajudará na formação de cidadãos críticos para o país. “Não somos robôs humanos”, salientou Dom Luciano Bergamin, sendo muito aplaudido pela plateia presente ao seminário. O religioso encerrou sua fala rezando um “Pai Nosso” com todos os presentes.
Após a intervenção do bispo diocesano, fez uso da palavra o professor Álvaro Pereira do Nascimento, coordenador do Centro de Documentação e Imagem (CEDIM) do IM. Ele saudou o lançamento do RIMA como projeto interdisciplinar do instituto, em parceria com os departamentos de História e Ciência da Computação, aliados à Biblioteca e à COTIC. Para ele, o dia da entrada em funcionamento do repositório vai ficar na história da Baixada, pois vai ajudar a romper com o silêncio que recaiu sobre a cidade de Nova Iguaçu e toda a região. Ele assinalou ainda que todo o acervo do jornal local “Correio da Lavoura” está sendo digitalizado, além dos documentos das câmaras municipais da BF e de um cartório local.
Em seguida, houve a mesa-redonda em que foi abordado o lançamento propriamente dito do RIMA. Sua apresentação coube a Ricardo Campos, consultor e responsável técnico pela plataforma digital. Segundo ele, essa ferramenta surge a partir do desenvolvimento do CEDIM, através de uma ideia do diretor do IM, professor Alexandre Fortes. Por conseguinte, muitas conversas aconteceram entre os professores e a equipe do centro de documentação, sobre a possibilidade da criação de um repositório. Foi então escolhido um software (o DSpace, desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos e fornecido pela HP, uma empresa de hardware). Ao longo do tempo, várias versões foram sendo lançadas no mercado e já estamos na versão 6 do software, lançada em setembro do ano passado. Os repositórios institucionais (como o RIMA) são plataformas digitais destinadas a recolher, guardar, preservar a produção intelectual científica e acadêmica, mas pode ir além disso, como esse aqui do IM, que já surge disseminando o acervo de outras instituições, como o arquivo da Cúria Diocesana de Nova Iguaçu e do jornal local “Correio da Lavoura”. Há também dentro do RIMA o “Divulgador de Acervos Digitais”, que torna possível o armazenamento dos acervos de texto, áudio, de imagens fotográficas e de vídeos. Ricardo Campos informou que toda a parte relativa à navegação foi colocada em três idiomas: português, espanhol e inglês, provavelmente dos públicos-alvos mais imediatos do RIMA. O consultor ressaltou que essa nova ferramenta não pode ser encarada apenas como um “baú” onde se guardam materiais, e sim, vista como uma plataforma digital que pode e deve crescer, mantendo-a atual e estendendo-a para outras áreas da própria universidade e do câmpus do IM. Ele apontou que novas tecnologias de ponta no uso da informática, como a desenvolvida pelos alunos do professor Leandro Alvim – Ricardo e Giovani – também poderão ser colocadas no RIMA.
A oradora seguinte foi a bibliotecária do Instituto Multidisciplinar, Rosângela Nascimento. Ela deu ênfase à questão da necessidade do acesso gratuito de qualquer pessoa (pesquisador ou não) às plataformas digitais. Isso só foi possível depois que diversos pesquisadores se reuniram num encontro internacional em Budapeste, e lançaram um movimento pelo acesso livre à informação científica, um sistema de comunicação e compartilhamento da ciência, inédito no mundo. Rosângela explicou que tal necessidade surgiu porque antigamente os estudiosos e pesquisadores publicavam seus trabalhos em periódicos científicos, que foram se tornando cada vez mais caros. Não havia outro local para a divulgação dos trabalhos de natureza acadêmica. A partir desse encontro, tornou-se possível o chamado “acesso aberto” (open access), permitindo a qualquer usuário a leitura, download, cópia, impressão, distribuição, etc. A única restrição diz respeito à integridade da obra, ou seja, a questão dos direitos autorais. De acordo com a bibliotecária do IM, essa ferramenta do repositório foi inovadora, pois propiciou o compartilhamento das informações de forma fácil e desburocratizada, garantindo ainda a custódia, a comunicação e a visibilidade da produção acadêmica e da informação científica ali colocada.
Já o professor Leandro Alvim, do Departamento de Ciências da Computação do IM, abordou o tema de uma alternativa de busca para texto, com significado semântico, num trabalho de conclusão de curso feito pelos alunos Ricardo Luis da Silva Melo e Giovani Silva Celebrin, de Ciências da Computação, denominado “Busca semântica aplicada à recuperação de contexto histórico”. Os dois tiveram a supervisão do professor Alvim. A apresentação também já havia sido feita anteriormente num congresso na Escola Regional de Sistemas de Informação, em Seropédica, tendo sido premiado. O método considera o contexto semântico no qual o vocábulo está inserido, procurando identificar seu significado ao invés de buscar palavras-chave na ferramenta de buscas.
A seguir, tivemos a mesa-redonda do lançamento do livro “A Baixada Fluminense e a Ditadura Militar- movimentos sociais, repressão e poder local”, com a presença de dois dos autores de capítulos do livro: o professor José Ricardo Ramalho, do IFCS/UFRJ, e o professor Jean Rodrigues Sales, do IM/UFRRJ, que foi um de seus organizadores ao lado do professor Alexandre Fortes, diretor do IM/UFRRJ. Os outros autores são os professores Abner Sótenos, mestre em História pela UFRJ; Adriana da Silva Serafim, mestre em História pela UFRRJ; Adriana Maria Ribeiro, mestra e doutoranda em História pela UFRRJ; Alexander Souza Gomes, mestre em História pela UERJ; Allofs Daniel Batista, mestre em História pelo Programa de Pós-graduação da UNIRIO; Felipe Augusto dos Santos Ribeiro, doutor em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC/Fundação Getúlio Vargas; Giselle dos Santos Siqueira, mestre em História Política pela UERJ e Luis Anselmo Bezerra, doutorando do Programa de Pós-graduação em História Social da UFF.
Em sua fala, o professor José Ricardo Ramalho destaca que ficou honrado por ter sido convidado a escrever o prefácio do livro, e que o mesmo narra situações de violência e autoritarismo ocorridas na Baixada Fluminense à época da ditadura militar, realidade essa que não queremos que volte mais.
O professor Jean Rodrigues Sales anunciou que o livro será ainda lançado em outra oportunidade, mas fez questão de incluí-lo dentro do evento institucional de lançamento do RIMA do IM, como forma de destacar a importância do trabalho que vem sendo feito no CEDIM, em parceria com a direção do instituto. Ele explicou que o livro está associado a dois processos coletivos de trabalho da Universidade Rural. O primeiro foi a criação do curso de História do Instituto Multidisciplinar em Nova Iguaçu e o outro, logo em seguida, o surgimento do programa de pós-graduação em História. Isso acabou despertando a atenção de muitos jovens estudantes, interessados em pesquisar a trajetória da Baixada Fluminense, muitas vezes acusada de “não ser um lugar de história” e marginalizada por inúmeros casos de violência e pela extrema carência social e econômica reinante. O professor Jean destacou que muitos autores – antes do aparecimento do IM na região – já pesquisavam e escreviam sobre a história local. Ele destacou que o Fórum Cultural da Baixada Fluminense concedeu ao livro a condição de finalista ao prêmio do fórum, na categoria “Produção Acadêmica”, fato que reforça a importância da presença e atuação de uma universidade pública aqui na Baixada Fluminense.
Outro ponto que foi destacado em sua intervenção em relação ao livro foi o próprio CEDIM (Centro de Documentação e Imagem do IM), que não se restringe apenas à temática da história da Baixada, mas pelo próprio projeto, sua concepção original e localização dentro da universidade. O professor assinalou que há dois anos, quando da passagem do aniversário dos 50 anos do golpe militar de 1964, foi organizado um seminário sobre esse fato, mas sob a perspectiva da história da região. A partir daí, o livro foi o resultado desse processo, coordenado coletivamente e sob a chancela do CEDIM e do IM. A obra conta com 8 capítulos, cada um deles abordando um aspecto da história, como a trajetória de luta dos trabalhadores, a atuação da Igreja Católica na região durante o período ditatorial, o ativismo dos trabalhadores de Magé, do MAB (associações de moradores de Nova Iguaçu) e da militância de esquerda que atuou na região.
A última mesa de debates contou com a presença do pesquisador Antonio Lacerda, coordenador do Arquivo da Diocese de Nova Iguaçu e com a professora e pesquisadora Dulce Pandolfi, do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas.
Lacerda ressaltou a importância do arquivo da cúria diocesana local, com documentos que vem deste 1640, contendo manuscritos, registros paroquiais diversos, uma documentação muito rica do período colonial brasileiro, cartas pastorais do Rio de Janeiro. Isto se deve ao fato que até o início do século XX, a Baixada Fluminense pertencia ao bispado do Rio. E destacou também o arquivo do bispo Dom Adriano Hipólito, incluindo o seu acervo pessoal. Parte dessa documentação do religioso está agora disponível no RIMA do IM. Ele narrou um pouco sobre a história de Dom Adriano, que era natural de Sergipe, nascido numa família de classe média urbana, cujo pai participou ativamente do Movimento Tenentista, na década de 30. Com a prisão do pai, toda a família passou a residir em Salvador, onde ingressa ainda muito jovem no Convento dos Franciscanos. Muitos desses padres vieram da Alemanha para o nordeste brasileiro, em razão das ameaças e perseguições impostas pelo ditador Adolf Hitler, que havia acabado de subir ao poder naquele país. Esses padres influenciaram muito a formação teológica de Dom Adriano, que aprendeu rapidamente a falar em alemão. Depois, já como adolescente, foi para o Paraná completar seus primeiros anos de instrução colegial no convento franciscano de Rio Negro. E foi ali que ele ouviu falar pela primeira vez da Baixada Fluminense, através de professores de Petrópolis e onde havia um polo irradiador dos franciscanos na região. E as informações que lhe chegavam ao conhecimento davam conta do primarismo político reinante, das dificuldades sociais e econômicas de seu povo e da ausência de políticas públicas de saúde e educação. Uma “terra de ninguém”, em suma. Com uma formação sólida e sendo um religioso muito culto e inteligente, Dom Adriano foi nomeado bispo auxiliar de Salvador. A diocese baiana é a mais importante do país, por ter sido a primeira a surgir no país. Mais tarde, o Papa Paulo VI o nomeia bispo de Nova Iguaçu e ao lhe dar a notícia, o Núncio Apostólico avisa: “Dom Adriano, o senhor assumirá a diocese mais difícil do país”. E de fato, era mesmo. A Baixada, nas décadas de 50/60 registrou uma explosão demográfica só comparável a da India, com muitos problemas sociais, sem nenhuma estrutura e com muita miséria.
Em 1966, Dom Adriano chega a Nova Iguaçu, na condição de terceiro bispo da cidade. E desde então não se abateu com as dificuldades com que se deparou. Já em 1968, fundou logo uma Pastoral para dar respostas concretas aos problemas sociais enfrentados pelo povo da Baixada. Logo vieram as pastorais Operária, da Terra e do Negro. E assim foi organizando a população pobre. Num período onde não existia eleição direta, o bispo criou na diocese um sistema em que os representantes locais da Igreja, como o vigário geral, os coordenadores das diversas regiões eram escolhidos pelo voto direto da população. Outra experiência inédita e unicamente aqui concebida foi a nomeação de várias freiras como regentes de paróquia. Começa em 1978 a escrever nos jornais do município, como o “Correio da Semana”, de propriedade de um jornalista italiano, Dionísio Bacci, fato que lhe valeu a acusação de ser “comunista”, pois o dono do jornal era ligado ao PCB. Certa vez, Dom Adriano confidenciou a amigos que se não fosse padre se tornaria jornalista, porque gostava muito de escrever e expressar suas ideias. Por conta disso, o bispo criou dois jornais: “Boletim Diocesano”, com diversos artigos assinados por ele e um semanário litúrgico conscientizador, denominado “A Folha”. Era a publicação lida durante a liturgia das missas, contendo também artigos de grandes personalidades, intelectuais, sociólogos, etc. Por conta desse semanário, Dom Adriano era sempre chamado a comparecer na Vila Militar, em Deodoro, para dar explicações aos generais sobre a finalidade daquela publicação.
O bispo também incentivou muitas ações culturais na Baixada, como a antiga TV Maxambomba, a Biblioteca Pública D. Oscar Romero, em Mesquita, e o CECIP (Centro de Criação de Imagem Popular), do produtor Cláudio Ceccon.
O historiador Antonio Lacerda também contou que, na década de 70, um grupo de médicos comunistas perseguido pela ditadura ficou sem espaço para trabalhar no Rio de Janeiro e foram prontamente acolhidos em Nova Iguaçu por Dom Adriano. São dessa época o Dr. Antonio Ivo, a médica sanitarista Lúcia Souto, a Drª Rosely de Sousa e muitos outros, que vieram e criaram vários movimentos de mulheres nas periferias e fundaram o MAB – Movimento Amigos de Bairro, que marcou época em Nova Iguaçu pela combatividade com que brigava pelas reivindicações comunitárias dos moradores.
A atuação pastoral progressista do religioso foi alvo de muitos ataques por forças da repressão militar. Em 1976, Dom Adriano foi sequestrado, torturado e largado despido com o corpo pintado de tinta vermelha, num matagal em Jacarepaguá. Seu carro foi levado, em seguida, até as proximidades do prédio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), no bairro da Glória, e destruído numa explosão. Mas não se deixou intimidar pelos carrascos do regime autoritário. Em 1979, diversas igrejas iguaçuanas foram pichadas com frases ofensivas ao bispo e com ataques a sua ação pastoral. No mesmo ano, outro atentado perpetrado pelas mesmas forças repressivas fez explodir uma bomba no interior da Catedral de Santo Antonio de Jacutinga, no centro de Nova Iguaçu. A reação da população foi imediata no repúdio a esse ato terrorista, com passeatas de apoio a Dom Adriano e manifestos publicados na imprensa, condenando os atentados.
Depois de se afastar da diocese quando completou 75 anos, Dom Adriano começou a escrever suas memórias, mas não conseguiu concluir sua obra “Memórias de um bispo da Baixada”, falecendo em agosto de 1996 vitimado por um ataque cardíaco.
Por todas essas ações, Dom Adriano tornou-se um grande símbolo de resistência aqui da Baixada, aglutinando diversas forças e movimentos sociais que se opunham à tirania e à truculência do regime militar. Não podemos falar da história da Baixada sem mencionar a trajetória desse bispo tão ativo e amado pelo povo. Por isso, Lacerda fez um desafio aos estudantes presentes, para que conheçam mais de perto o legado e a produção intelectual de Dom Adriano, a partir do RIMA ou visitando o arquivo da Cúria Diocesana.
Por fim, a palavra foi dada a Dulce Pandolfi, professora e pesquisadora do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas. Ela saudou a importância e atualidade do debate feito no seminário do IM, sobre as relações da política com a religião, da Igreja com o Estado. E citou dois líderes religiosos que tensionaram bastante essa relação: o bispo de Nova Iguaçu, Dom Adriano Hipólito e o bispo de Volta Redonda, Dom Waldyr Calheiros. E destacou o fato do seminário estar sendo realizado no âmbito das atividades da ocupação estudantil, que vem se realizando no câmpus do IM e de toda a UFRRJ, em protesto contra a PEC do teto de gastos do governo, que inclui medidas que suprimem os direitos sociais e congelam os investimentos em Saúde e Educação por 20 anos.
A professora em sua palestra abordou algumas passagens do livro “O bispo de Volta Redonda: memórias de Dom Waldyr Calheiros”, do qual foi uma das organizadoras, ao lado de Célia Maria Leite Costa e Ken Serbin, editado pela Fundação Getúlio Vargas. A publicação originou-se de uma entrevista com o bispo de Volta Redonda sobre a história de sua vida, suas memórias e sua trajetória de luta e resistência contra a ditadura militar. Em seu depoimento no livro, Dom Waldyr queixava-se muito do que chamava “a solidão do bispado”, em relação à maior proximidade dos padres em geral com o povo. Diante disso, montou várias estratégias que o mantinham próximo fisicamente de seus fiéis católicos. Um deles era o trabalho de base junto às comunidades em Volta Redonda, descentralizando a ação pastoral com reuniões semanais em bairros, fato que o fez se referir a Dom Adriano em Nova Iguaçu como “alma gêmea” dele, pois o religioso fazia o mesmo em Nova Iguaçu.
Ambos nordestinos, Dom Waldyr nasceu em Alagoas em 1923 e Dom Adriano em Sergipe, cinco anos antes. Outra coincidência entre os dois foi que ambos entraram no seminário com 14 anos de idade. Ambos também foram muito marcados pelas decisões do Concílio Vaticano 2º, que representou a maior transformação que a Igreja já sofreu em sua história, onde várias liturgias foram transformadas. Foi abolida a missa rezada em latim tornando acessível a compreensão pelos fiéis do que estava sendo dito durante a celebração. Outra mudança que se deu a partir disso foi na composição diversificada da Cúria Romana, até então integrada apenas por bispos italianos. Foi também a partir daí que os leigos passaram a participar mais da Igreja através das Comunidades Eclesiais de Base, às quais tanto Dom Adriano quanto Dom Waldyr ajudaram e estimularam na sua implantação, a exemplo das pastorais. É nessa conjuntura de renascimento que a Igreja Católica faz a opção preferencial pelos pobres, abraçando a causa da justiça social e a paz como elemento de integração e harmonia entre os povos.
Foi em função da defesa desses novos princípios, entre eles a postura intransigente pelos Direitos Humanos, que os dois bispos sofreram muitas perseguições movidas pelo regime militar autoritário daquela época. Ao lado de D. Hélder Câmara, D. Paulo Evaristo Arns e D. Pedro Casaldáliga, formavam uma linha de frente nessa luta e na denúncia dos crimes da ditadura. Outra característica dessa dupla foi a proximidade que tiveram com os movimentos sociais, colaborando na mobilização daqueles que lutavam por melhores condições de vida para a população.
A pesquisadora Dulce Pandolfi disse que, após a promulgação da Constituição de 1988, D. Waldyr Calheiros teve acesso a um dossiê que os órgãos de segurança do regime militar haviam preparado contra ele. E ao ser perguntado por ela sobre esse dossiê, respondeu apenas: “a ditadura deveria ter sido definida como crime inafiançável e seus responsáveis jamais poderiam ser beneficiados pela Lei da Anistia”. Ela encerrou exaltando a figura dos dois bispos, cujas trajetórias marcaram muito a história da Igreja e do próprio país.
Por Ricardo Portugal – Assessoria de Imprensa do IM/UFRRJ