Para a maioria dos inscritos, a Corrida do Servidor da UFRRJ do próximo dia 23 de outubro representa um desafio físico, um momento de confraternização. Para a professora Thais Gallo, no entanto, a linha de chegada desenha no horizonte de sua jornada um significado muito mais profundo: é a reconquista do corpo, a superação de um trauma e o ponto final em um doloroso capítulo de sua vida. Cada um dos cinco mil metros do percurso será um passo para longe da lesão que a silenciou e para perto da atleta que ela redescobriu em si.
Gestora da Coordenadoria de Desenvolvimento Institucional (CODIN) e docente do Departamento de Ciências do Meio Ambiente, Thais nem sempre foi uma corredora. Sua relação com o esporte nasceu de uma necessidade clínica em 2017, quando um diagnóstico de disfunção de insulina a levou a uma recomendação médica taxativa: musculação. A conexão, porém, não foi imediata. “Eu não gostava de fazer musculação”, confessa. Com uma sinceridade que humaniza, ela recorda: “Não tive a atividade física como rotina na infância, não sabia pular”.
Mas a busca por saúde a impeliu a não desistir. Foi na exploração de seus próprios limites que ela encontrou uma paixão improvável: o triatlo. Entre a natação, sua modalidade preferida, o ciclismo e a corrida, Thais forjou uma nova identidade. Manteve-se firme mesmo durante a pandemia, adaptando-se a treinos online. Com o fim do distanciamento social, um sonho audacioso tomou forma: completar a Maratona do Rio de Janeiro.
Foi na busca por este sonho que a jornada tomou um rumo trágico. Uma lesão severa durante a preparação a parou de forma abrupta e violenta. O diagnóstico era assustador: rompimento do tendão do braço e um deslocamento do ombro esquerdo para a frente da clavícula. “Fiquei meses sem mexer o braço, foi um momento muito doloroso”, relata. A dor física, contudo, foi superada por uma ferida mais profunda. O episódio, segundo ela, “criou um trauma pela corrida”. Por três longos anos, a ideia de calçar os tênis e sentir o asfalto sob os pés esteve associada ao medo.
Quando o anúncio da Corrida do Servidor chegou, a primeira reação foi um “grande receio”. O desejo de participar esbarrava na memória da dor.
O que ela não esperava era que sua história chegaria, por acaso, aos ouvidos certos. Durante uma visita a uma obra no câmpus, em uma conversa casual, Thais mencionou seu afastamento das pistas. Quem a ouvia era João Lemos, bolsista do Departamento de Esporte e Lazer (DEL), graduando de Educação Física e um dos coordenadores do evento. Aquele breve relato foi o suficiente. “Fiquei comovido pela história dela”, conta João. “Anotei o contato dela e fui pra casa pensando em como poderia ajudá-la a retomar a corrida. Então surgiu a ideia de criar um projeto de 30 dias, envolvendo toda a equipe do DEL, com o objetivo de ajudá-la a voltar a correr”.
Foto: João Vitor Freitas, jornalista e bolsista de Comunicação da CCS.
O convite, carregado de empatia e suporte técnico, emocionou a professora. Ela aceitou o desafio. Desde então, uma aliança entre ciência do esporte e força de vontade foi selada. Sob a orientação de João e da equipe do DEL, Thais iniciou um programa meticuloso de treinos de força e corrida. O maior obstáculo, no entanto, não estava nos músculos, mas na mente. “O grande desafio até agora tem sido devolver a confiança e ajudá-la a superar o medo da lesão”, observa Lemos, “mostrando que com acompanhamento e paciência é possível recomeçar”.
A iniciativa transcende a história individual e reflete a missão do próprio Departamento. Thiago Rosa, diretor do DEL, contextualiza a importância de ações como esta. “O DEL vem trabalhando para desenvolver práticas esportivas extensionistas que melhorem a vida da população ao redor da Universidade, mas também estamos trabalhando para manter a saúde e bem-estar dos nossos servidores”, destaca. Para ele, o projeto com a professora Thais materializa o propósito maior do evento: “Estimular a atividade física dos servidores da UFRRJ e a integração entre os diferentes setores da universidade”.
Foto: DEL/UFRRJ.
No dia 23 de outubro, quando Thais Gallo cruzar a linha de largada, ela não estará apenas iniciando uma prova de 5km. Estará dando a largada para um novo capítulo, carregando consigo a força de uma equipe que acreditou em seu retorno e provando que, às vezes, a maior vitória não está em vencer a corrida, mas em ter a coragem de começar.
Texto: João Vitor Freitas, jornalista e bolsista de Comunicação da CCS.