Por Michelle Carneiro (CCS/UFRRJ)
As aventuras vividas pelos irmãos gêmeos Nana e Nilo, em companhia de um pássaro e de uma árvore milenar, resgatam a importância do brincar livremente, a relação com o meio ambiente e o protagonismo positivo negro na fase infantil. Os personagens têm nomes associados à cultura africana e indígena. Sem estereótipos e clichês, o público é apresentado à história e à cultura afro-brasileira.
‘Nana & Nilo’ é fruto de uma parceria entre o autor Renato Noguera, professor do Departamento de Educação e Sociedade (DES/UFRRJ); o ilustrador Sandro Lopes, professor do Departamento de Artes (Dartes/UFRRJ); e a designer Cris Pereira. Além de livros infantis, os personagens estão presentes em livros de colorir, quadrinhos, desenhos animados, CDs e DVDs de músicas tradicionais.
Sandro Lopes menciona a importância de o projeto utilizar diferentes mídias e inserir a diversidade étnico-racial na produção feita para a infância no Brasil. “Mesmo os brasileiros se declarando, majoritariamente, negros e sendo o país com a maior população negra fora da África, as nossas animações continuam sub-representando os negros e hiper-representando os brancos”, afirma.
Para além do 20 de novembro
O projeto preenche uma lacuna: a pouca variedade de materiais produzidos no país sobre a história e cultura africana e indígena. Esse é um dos entraves para levar, de vez, o tema para as salas de aula. A legislação que tornou obrigatório o ensino da cultura e da história afro-brasileira e africana na educação básica completou 15 anos em 2018; enquanto a lei que instituiu a obrigatoriedade do ensino sobre os povos indígenas completou 10 anos.
Apesar dos avanços, as leis não são efetivamente cumpridas. Em muitas escolas o debate antirracista ainda se restringe ao mês de novembro e à comemoração do Dia da Consciência Negra. Para Noguera é imprescindível o fomento de uma cultura antirracista. “E isso leva tempo. Por decreto não resolvemos coisas que são inconscientes e arraigadas. Ainda temos muito a caminhar”, pondera.
Merecem atenção os recentes casos de professores de ensino fundamental perseguidos ao abordar a história e a cultura afro-brasileira. O desconhecimento e a intolerância por parte de pais e responsáveis dificultam ainda mais o trabalho dos educadores, que precisam valorizar a diversidade, promover a igualdade e estimular a reflexão sobre preconceito racial no cotidiano escolar. “A escola só pode ser democrática se enfrentar o racismo”, afirma Noguera.
Autoestima fortalecida
O debate antirracista nas salas de aula, assim como o protagonismo dos personagens negros, atinge a infância de forma positiva. É o que explica Lopes ao mencionar que tais experiências permitem a todas as crianças um maior entendimento de si e dos outros, o que contribui para o conhecimento e a aceitação com relação ao diferente.
“No caso daquelas que nunca são representadas, essas narrativas permitem uma possibilidade de serem iguais a todos, fortalecendo a sua autoestima e seu pertencimento étnico”, pontua Lopes. “A autoestima das crianças negras passa por ressignificar a raça negra, o que só pode ser feito envolvendo todos os grupos raciais da sociedade brasileira num amplo, franco e profundo debate”, conclui Noguera.
Publicado originalmente no Rural Semanal 15/2018